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Axial - Sinopse

​O espetáculo Axial está estruturado em sete cenas que retratam a dicotomia sagrado-profano, oriente-ocidente, resistência-entrega. É um mergulho nas raízes das danças brasileiras sob a perspectiva da dança Tribal, recebendo influências dos povos africanos e berberes. Este é o estilo chamado de Tribal Brasil.

A primeira cena, Sirocco, a tempestade de areia do deserto, traz elementos da dança de Iansã, Orixá que está relacionado com as tempestades, e das danças do Oriente Médio, em específico dos povos Bérberes, a exemplo da manifestação cultural de cunho religioso chamado Guedra.
Essa simbiose gera em cena mulheres guerreiras que saem do seu mundo particular para cruzarem o deserto em busca de um novo ponto onde possam reescrever suas histórias. Em fuga da tempestade de areia, do sirocco, essas mulheres se encontram, se unem, invocam o vento, suas crenças, sambam no terreiro e sossegam ao perceber que a tormenta passou e que a calmaria pode novamente se estabelecer. Na luta para resistir, essas mulheres se confundem com o próprio vento levantando a areia do deserto, trazendo uma atitude presente de personificar os elementos da natureza e voltar a si, de resistir e se entregar. A calmaria depois da tempestade é simbolizada por uma árvore que os corpos esboçam no espaço; a união para tornar-se mais forte e suportar a investida do vento é uma constante na vida em sociedade, assim vemos nos movimentos, manifestos, passeatas: todos unidos em prol de um objetivo.
A divisão das direções espaciais das bailarinas em cena, desfazendo a árvore ao vento, alude à retomada do equilíbrio, quando o ser humano volta a seguir seu próprio rumo. A música de Naná Vasconcelos, Chamando Vento e Opaxorô, ponto do Candomblé, trazem a atmosfera ritualística que abre, por assim dizer, os trabalhos que serão apresentados.

Tem início, então, a segunda cena, Nomades, trazendo como matéria prima de hibridação o Jongo da Serrinha, de Mestre Darcy. É sabido que o fim da escravidão no Brasil não acabou com a injustiça contra os negros. Os ex-escravos e seus descendentes não receberam um pedaço de terra sequer para continuarem trabalhando na agricultura e se viram obrigados a migrar para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país na época da abolição da escravatura, em busca de oportunidades. No início do século, o Rio já sofria com a especulação imobiliária. As obras de demolição do centro colonial da cidade, empreendidas pela nova política de sanitização, expulsaram a população pobre dos cortiços para o alto dos morros, até então desabitados, devido ao difícil acesso, inaugurando um novo tipo de moradia: as favelas. Isso fez do Rio de Janeiro a região do Brasil com maior concentração de jongueiros.
Mesmo na cidade, essas famílias negras continuaram a dançar o jongo em seus novos redutos, como os morros de São Carlos, Salgueiro, Mangueira, e, sobretudo, da Serrinha. Graças à memória desses antigos jongueiros, foi possível reviver o passado das fazendas. Por volta de 1930, devido ao estreito contato com a vida urbana, aos novos modismos e à morte dos jongueiros idosos, o jongo foi aos poucos desaparecendo dos morros cariocas. Somente a Serrinha, isolada da parte central da cidade, na periferia, conseguiu preservar a cultura afro-brasileira tradicional. Passos como tabiado, mancador, amassa café foram traduzidos para o Tribal Brasil ganhando nova leitura através da música de Maga Bo Eu Vim de Longe extraída do CD Quilombo do Futuro, um remix na voz de Rosangela Macedo. Essa coreografia atenta para a necessidade da presença do outro em nossa vida, nos transformando, ajudando a crescer, celebrando, mas também dividindo, encontrando, despedindo e se reorganizando. Diz a letra do Jongo: “Eu vim de longe, lá da beira do caminho, saravá meu Pai Benedito, que eu não posso andar sozinho.” Ao final da cena a música diz “Cachoeira!”, nomenclatura presente nas aberturas de roda de Jongo.

 

Direção: Kilma Farias
Direção coreográfica: Guilherme Schulze
Coreógrafas: 
Kilma Farias, Jaqueline Lima, Fabiana Rodrigues

Bailarinas: Fabiana Rodrigues, Jackeline Mendonça,

Jaqueline Lima, Juliana Garcia, Kilma Farias, Luana Aires,

Priscila de Carvalho
Figurino: Jaqueline Lima
Iluminador: João Batista

FICHA TÉCNICA

Indo para a terceira cena, fazemos um paralelo dessa herança que os escravos nos deixaram com nossa vida contemporânea, onde somos identificados como escravos proletariados, escravos das leis e normas que nos são impostas, gerando paradigmas diversos que nos prendem a um pelourinho ideológico onde, durante toda uma vida, somos açoitados: é a coreografia Escrava Branca. Nessa cena resistir e se entregar é uma constante; uma luta interna travada na trindade corpo, mente e espírito, retratada por três bailarinas em cena. A utilização dos movimentos de saia para simbolizar o desejo pela liberdade, a leveza, trazem a leitura do corpo preso e da alma livre. A movimentação foi estudada a partir das danças cigana, flamenca, carimbó, coco, cacuriá e danças dos Orixás femininos a exemplo de Iemanjá e Oxum. Essa coreografia cita o Movimento Armorial, uma iniciativa artística cujo objetivo é criar uma arte erudita a partir de elementos da nossa cultura popular do Nordeste Brasileiro.
Um dos fundadores e diretor desse movimento é o escritor Ariano Suassuna. Tal movimento procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: dança, música, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura, entre outras. A música utilizada é Xinxuan do Quinteto Armorial.
Na nossa quarta coreografia, Rainha Negra, saímos da senzala urbana de Escrava Branca para mergulharmos no universo do Maracatu. Lembrando o Estrela Brilhante, de Pernambuco, podemos ouvir a melodia que diz:
“Dança a rainha, vassalo e escravo
Todos os lanceiros e a corte real
Toque o batuque no baque virado
Dama de paço escute o compasso
Vem meu rei, embaixador e princesa também
Catirina olha o baque zuando
É o Estrela que já vem chegando...”
E assim surge Nzinga, a Rainha menina, rainha negra na voz de Naná Vasconcelos, trazendo pra cena tanto o cortejo do maracatu quanto a história dessa rainha. Nzinga viveu durante um período em que o tráfico de escravos africanos e a consolidação do poder dos portugueses na região de Matamba e Angola estavam crescendo rapidamente, século XVII. O seu nome surge nos registros históricos como uma enviada de seu irmão, numa conferência de paz com o governador português de Luanda. Converteu-se ao cristianismo passando a se chamar Dona Ana de Sousa. Ela assinou um novo tratado de paz com Portugal. Ajudou a reinserir antigos escravos e formou uma economia que ao contrário de outras no continente, não dependia do tráfico de escravos. Mais tarde, como soberana, rompeu os compromissos com Portugal, abandonando a religião católica e praticando uma série de violências não só contra
os portugueses, mas também contra as populações tributárias de Portugal na região. Após a sua morte, de forma pacífica aos oitenta anos de idade, 7000 soldados da Rainha Nzinga, também chamada Rainha Ginga, foram levados para o Brasil e vendidos como escravos. No Brasil, o nome da Rainha Ginga é referido em vários folguedos da Festa de Reis dos negros do Rosário, em Minas Gerais, onde reis-de-congo católicos lutam contra reis que não aceitam o cristianismo.
Assim, a Rainha Negra dá passagem ao cortejo do Maracatu Misterioso, nosso quinto momento, trazendo o Tribal Brasil para a cena coreografada, agrupando ainda o vocabulário da capoeira e do cacuriá, além das danças afro de trabalho como o corte da cana, por
exemplo. Mas ainda mantendo em evidência a Rainha Nzinga, emprestando sua soberania à rainha do Maracatu que se desenrola. O festejo celebra a vida, a união, o estar em círculo, em relação de igualdade uns com os outros, olhos nos olhos. A música Maracatu Misterioso de Think Of One traz uma atmosfera festiva e ou mesmo tempo misteriosa, introduzindo a cena seguinte.
Zumbi dos Palmares é tido como o líder negro de todas as raças, nossa sexta cena, Zumbi, traz todo o sentido de sua etimologia. A palavra Zumbi vem do termo zumbe, do idioma africano quimbundo que significa fantasma, espectro, alma de quem já faleceu. Esse é nosso momento de ligação com o subgênero Dark Fusion, do Tribal. A música “Zumbi”, de Naná Vasconcelos, nos inspirou trabalhar a relação dual entre bem e mal, resistir e entregar, sorrir e chorar, viver e morrer, e para tanto nos utilizamos do fator peso, através de movimentos em dupla buscando eixos e novos equilíbrios dentro do desequilíbrio. Questionamos assim nossa capacidade e necessidade de buscar esse eixo central, o axial de nossas vidas tão plenas de referências.
Ao nos reencontrarmos e nos reconectarmos com esse axial, tudo é festa, momento de Improv Tribal Style (ITS) utilizando a linguagem do Tribal Brasil para concluir nosso espetáculo com a sétima e última cena, Festejo. Aqui utilizamos elementos do Frevo, dança afro, Maracatu, Forró, Xote e Xaxado dentro da leitura do Tribal Brasil. E sendo a vida cíclica, retornamos aos arquétipos da roda e da meia lua para enfim celebrarmos o prazer de vivermos as nossas novidades com os corações cheios das mais diversas tradições. Música “Nordestina” de DJ Dolores.

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